terça-feira, 16 de novembro de 2010

Mundano transforma tintas em arte e crítica social

Se você avistar graffitis de rostos, com olhos arregalados, expressões sérias e frases de protesto pelas ruas de São Paulo, pode ter certeza que Mundano passou por alí
Mundano é o grafiteiro que mais vem se destacando com a sua arte, que mistura protesto com crítica social.
Mundano, que segundo o próprio artista afirma: é o trabalhador que pega mais de 2 horas de ônibus no trânsito pra ir e pra voltar do trabalho diariamente. Mundano é a moça que assiste à novela anestesiada. Mundano é o gari que tenta limpar uma cidade que está emporcalhada de corrupção. Mundano é a madame que gasta em apenas uma bolsa, o equivalente a renda mensal de 10 famílias mundanas. Mundano é o carroceiro que trabalha honestamente reciclando o lixo que o cidadão Mundano que  buzinou pra ele produziu. Mundano é a criança que cresce numa cidade monstruosa como São Paulo onde os verdadeiros valores estão desaparecendo. O ser Mundano é a voz de um povo calado.
O Portal RAP NACIONAL traz uma entrevista exclusiva com esse grande talento das ruas, confira:
Portal RAP NACIONAL- Como aconteceu seu primeiro contato com o grafite?
Mundano- Desde pivete eu observo muito a cidade e sempre curti coisas exóticas que destoam da paisagem cinzenta e pálida de São Paulo. Sendo assim, conhecer o graffiti foi algo natural, mas  antes de começar no barato eu fiz muito pixo por ai. Eu não conhecia ninguém que fazia graffiti, então a coisa nasceu dentro de mim por necessidade de compartilhar na rua minhas idéias e de bater de frente com o que eu acreditava estar errado. E como tem coisa errada por ai.
P.R.N-Nesses anos todos que você grafita nas ruas de São Paulo, você já sofreu alguma retaliação policial?
Mundano-Já fui parado por viaturas incontáveis vezes, mas na maioria dos enquadros meus argumentos por estar pintando, mesmo que ilegal, convenceu os policiais de que o graffiti é necessário em uma cidade caótica como São Paulo. Tem tanta coisa pior para polícia combater que perder o tempo repreendendo artistas de rua chega a ser ridículo. Claro, que tem vezes que não tem conversa depende do que você está pintando, do humor do policial, de quem fez a denúncia e também de sorte. Em duas ocasiões eu assinei crime ambiental por estar dedicando meu tempo, minhas tintas em muros cinzas de São Paulo. O primeiro processo, que foi julgado em 2007, foi quando me pegaram pintando pela 13ª vez o mesmo pico em frente da Assembléia Legislativa de São Paulo, pois nos meus graffitis eu questionava diversas problemas da cidade  em cerca de 48 horas já estava tudo cinza novamente. A outra foi pitando os tapumes cinzas da reforma do Teatro Municipal, que na minha opinião deveriam estar pintados desde que começou a reforma. O mais engraçado e contraditório é que fui convidado pela Virada Cultural para pintar os mesmos tapumes do Teatro Municipal que três meses antes sete viaturas me enquadraram e me levaram pro 3° DP.

P.R.N- Você esta desenvolvendo um trabalho social junto com os catadores de lixo de  São Paulo, explique como funciona esse projeto?
Mundano- O projeto questiona a marginalização desse trabalho que é tão importante para todos, mas que a grande maioria da população tem preconceito e desrespeita a categoria. É revoltante ver  motoristas buzinando e xingando os carroceiros como se fossem criminosos e moradores de rua, e é isso que o projeto procura mudar através de frases de questionamento pintadas nas carroças. É uma espécie de graffiti ambulante que usa a própria ferramenta de trabalho dos carroceiros para transmitir mensagens criadas durante longas conversas que tive com os mesmos. Mergulhei nesse universo e hoje enxergo a cidade com outros olhos. Os catadores fazem o que a prefeitura deveria fazer e não faz, pois são cerca de 20.000 catadores que coletam cerca de 80% dos resíduos desatinados à reciclagem em São Paulo. É muita gente vivendo do resto do consumo de outras pessoas e foi isso que, mais me chamou a atenção. Como estou sempre pintando na rua o meu contato com eles é inevitável e o projeto já conta com 86 carroças que estão, nesse momento, circulando nas ruas e avenidas com diversas frases de impacto. Sei que podemos fazer muito mais socialmente pela categoria, mas a primeira delas é respeitar os trabalhadores e valorizar a atividade.
P.R.N- Mundano você é um grafiteiro diferenciado que usa a arte como uma forma de critica social, quando que surgiu essa iniciativa no seu trabalho?
Mundano- Surgiu de observar as pessoas interagindo com os graffitis na rua, percebi que podemos ir muito mais além do graffiti feito apenas por EGO, que infelizmente é o que tem por ai nas ruas. O graffiti por ser ilegal é uma arte livre, e por estar na rua ao alcance de todos é democrático.  Isso me fez pensar que eu devesse pintar coisas que eu acreditava e que muitas vezes são encobertas na imprensa. Com um novo olhar sobre a importância do graffite, comecei a escrever frases de questionamento em relação aos problemas da cidade e a ter um retorno de pessoas que realmente liam, refletiam e interagiam sobre minhas mensagens. Um exemplo recente é o vídeo clipe da música Multicultural do Pentágono http://vimeo.com/8069084 que inseriu vários graffites meus para ilustrar a mensagem da música.
P.R.N- Qual a principal mensagem que você quer passar?
Mundano- Para resumir meus questionamentos em um só, acho que seria o fato de sermos muitos individualistas. Precisamos pensar e agir coletivamente.

P.R.N- Seu trabalho já foi reconhecido internacionalmente você passou um mês em Nova Iorque, participou de uma exposição. Como foi essa experiência?
Mundano- Foi uma experiência nova e ao mesmo tempo uma oportunidade de conhecer de perto a cultura de uma cidade monstruosa. Fiquei impressionado com o acervo dos museus, com a funcionalidade do transporte público, mas o que mais chocou foi o consumismo desenfreado que eles têm lá. Isso me inspirou a criar uma instalação com um carroceiro que construi utilizando os materiais encontrados na rua. O conceito era que os norte-americanos deveriam reciclar essa idéia de consumo exagerado e nem um pouco sustentável, e o resultado da instalação e da exposição me deixou satisfeito e com vontade de levar minha arte a mais e mais lugares. E por meu negócio ser mesmo pintar na rua e Nova Iorque ser o berço do graffiti, é claro que eu tive que levar essa mesma mensagem para as ruas, que é realmente onde o povo está.
Clique aqui e veja centenas de fotos.
P.R.N- O grafitte, a arte  assim como o rap resgatam muitas vezes jovens das  periferias, da criminalidade , o que poderia ser feito na sua opinião para expandir mais o grafitte entre os jovens, em escolas públicas, bairros carentes não só de são Paulo mas do Brasil?
Mundano- Certo, primeiro precisamos separar o graffiti original que é o ilegal feito na rua, do “graffiti art” que é autorizado e pode ser visto como muralismo.  Portanto se o jovem fizer o graffiti de verdade ele continuará na criminalidade, pois a constituição brasileira enxerga isso como um crime ambiental para o patrimônio público e privado. 

Agora se ele seguir o caminho da produção de murais ele pode realmente ter um futuro muito melhor do que ele tinha na criminalidade, pois ele pode fazer trabalhos comerciais  e viver disso. Acho que deveria ser inserido nas escolas públicas um curso de artes bem estruturado, para dar a oportunidade para todos jovens brasileiros entenderem o universo das artes e os que gostarem e tiverem determinação poderem seguir isso em suas vidas. 

Além do curso acho que as pessoas precisam dar mais valor a arte no Brasil e o governo precisa estimular e dar mais reconhecimento aos artistas, pois é lamentável pensar que incontáveis jovens artistas com muito talento da periferia já tiveram que largar a arte por falta de apoio e entraram na vida do crime que é o caminho mais fácil.

P.R.N -Você recentemente pintou  uma releitura da bandeira do Brasil, gravou um vídeo com a trilha sonora de uma música do Sabotage, como nasceu esse  projeto?

Mundano- Recebi um convite do Rodrigo Piza, um amigo que estava gravando um documentário na ocupação,  para pintar o local. Ele disse que o pico estava bem degradado e que estava precisando de um graffiti meu bem colorido. Aceitei na hora e sem ter nada planejado fomos pra ocupação. Conheci o local, os moradores e as lideranças do movimento que liberaram as paredes do fundão para eu pintar e aí então o Piza resolveu gravar. Editamos o material e o vídeo circulou na internet e assim as pessoas tomaram conhecimento da ação, mas a real é que eu e outros grafiteiros fazemos ações como essa sempre e às vezes nem registramos nada. Pintamos apenas com o intuito de mexer com  o cotidiano das pessoas que vão interagir com o trabalho.

P.R.N- A escolha da Música “Cabeça de Nego” do Sabotage que é um grande ídolo do Rap Nacional, mostra que o Mundano também gosta de rap? O que você escuta?

Mundano- Claro que gosto, rap e graffiti é lado a lado. Eu sempre morei no Brooklin, e por isso o Sabotage sempre foi uma referência forte para mim. Eu lembro que entre 1998 e 2002 eu era fanático por Rap e ficava horas e horas escutando meus CDs e também estava sempre ligado no Espaço Rap da 105FM. 

Agora eu continuo ligado no movimento, mas com menos intensidade devido à correria e as responsabilidades que consomem meu tempo. Além do Sabotage eu curto muito Racionais,  Facção Central, 509-E, Contra Fluxo, Gog, MV Bill, Faces da Morte, entre outros. A cena de Rap Nacional, assim como o graffiti, está crescendo, evoluindo, mas ao mesmo tempo acho que está se perdendo. Em minha opinião, o rap nacional do bom será sempre aquele que com uma pegada original relate o cotidiano das pessoas, despertando na mente dos ouvintes a reflexão para questões importantes desse contexto. E não como boa parte do rap norte-americano que a maioria das rimas giram em torno de mulheres, carros de luxo e vadiagem.

P.R.N- Qual a mensagem que você deixa para as crianças que gostam de graffiti e que tem você como um exemplo…
Mundano- Quando eu estou pintando de quebrada sempre junta uma molecada interessada e fica falando ” Ae tio, me descola um Spray pra eu pixa também”, aí eu digo que não é assim, que para sair pintando por aí tem que antes desenhar bastante com caneta e entender como funcionam as coisas na rua. Graffiti envolve riscos e a tinta no Brasil é muito cara, por isso que as famílias normalmente são contra. Eu falo também que Graffiti é como qualquer outra atividade, ou seja, para ser bem sucedido é necessário gostar muito do que faz, estudar e ser bastante determinado.

Obrigado Paula, Mandrake e todos do portal Rap Nacional pela oportunidade de mostrar um pouco mais sobre o meu trabalho.
Aproveito pra deixar meu e-mail pra quem quiser dar um salve, e o meu site pra quem quiser ver mais trabalhos mundanos.
Entrevista : Paula Farias

site rapnacional

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