Fabiana Uchinaka
Do UOL Notícias
Do UOL Notícias
O chão está seco, apesar das fortes pancadas de verão que atingiram a cidade nos últimos dias. Pelas ruas, sobraram os entulhos das casas destruídas e dos vizinhos que preferiram ir embora. Nas salas, alguns poucos móveis antigos, marcados pela lama, dividem espaço com peças recém-adquiridas em muitas prestações. A água finalmente foi embora, mas o medo e o sentimento de abandono ainda rondam as casas dos bairros da várzea do rio Tietê, na zona leste de São Paulo. Nesta quarta-feira (8), completa um ano que a primeira enchente pegou os moradores de surpresa e levou tudo o que tinham.
... No ano passado, ela precisou dormir por cinco dias no carro que usa para coletar material
Com medo de novas enchentes, Janaína construiu um barraco com dois andares...
“Eu não posso ouvir falar em chuva que entro em pânico, peguei trauma. Estou até hoje fazendo tratamento com a psicóloga, porque eu penso na enchente e começo a passar mal, me dá vontade de chorar. É muita tristeza. Não quero lembrar disso”, conta, com dificuldade, a dona de casa Janaína de Jesus, 24, que mora em uma casa improvisada no Jardim Pantanal.
No ano passado, ela viu todos os seus bens se perderem na enchente e precisou dormir por cinco dias no carro que usa para coletar material reciclável. Ela, o marido e os dois filhos se apertavam na picape de dois lugares, que ficava estacionada em uma das ruas secas da região.
Pouco depois, o filho mais novo, de quatro anos, teve duas paradas cardíacas e precisou ser levado para o Hospital Santa Marcelina, no Itaim Paulista. Não foi internado porque a unidade estava lotada. Segundo a mãe, a criança está até hoje em observação, sem um diagnóstico preciso. “Foi d e tristeza, porque abriu um buraco dentro da minha casa e tudo começou a afundar”, diz Janaína.
Hoje, com medo de novas enchentes, o casal construiu um barraco com dois andares, feito de cartazes de campanha eleitoral, ripas de madeira e outros materiais coletados no lixo. Mas, se a tentativa de proteger-se da chuva não for suficiente, eles já têm um 'plano B'. “Eu fujo para o carro”, afirma a moradora.
Mudar dali só se a prefeitura der uma contrapartida, porque “o bairro é bom quando não está chovendo, bem melhor que em Ermelino Matarazzo [também na zona leste]”, onde ela vivia há quatro anos. “Eles já me prometeram até casa, mas não me deram nada. Sempre falam que a gente tem que desocupar, mas eu só saio se me derem um dinheiro digno, porque com R$ 300 [do auxílio-aluguel] eu não consigo alugar uma casa que caibam as crianças”, explica.
As queixas de descaso e abandono do poder público são recorrentes entre os moradores do Jardim Pantanal. Para a maior parte deles, pouca coisa mudou e as perspectivas para os próximos meses de verão não são animadoras.
No ano passado, ela viu todos os seus bens se perderem na enchente e precisou dormir por cinco dias no carro que usa para coletar material reciclável. Ela, o marido e os dois filhos se apertavam na picape de dois lugares, que ficava estacionada em uma das ruas secas da região.
Pouco depois, o filho mais novo, de quatro anos, teve duas paradas cardíacas e precisou ser levado para o Hospital Santa Marcelina, no Itaim Paulista. Não foi internado porque a unidade estava lotada. Segundo a mãe, a criança está até hoje em observação, sem um diagnóstico preciso. “Foi d e tristeza, porque abriu um buraco dentro da minha casa e tudo começou a afundar”, diz Janaína.
Hoje, com medo de novas enchentes, o casal construiu um barraco com dois andares, feito de cartazes de campanha eleitoral, ripas de madeira e outros materiais coletados no lixo. Mas, se a tentativa de proteger-se da chuva não for suficiente, eles já têm um 'plano B'. “Eu fujo para o carro”, afirma a moradora.
Mudar dali só se a prefeitura der uma contrapartida, porque “o bairro é bom quando não está chovendo, bem melhor que em Ermelino Matarazzo [também na zona leste]”, onde ela vivia há quatro anos. “Eles já me prometeram até casa, mas não me deram nada. Sempre falam que a gente tem que desocupar, mas eu só saio se me derem um dinheiro digno, porque com R$ 300 [do auxílio-aluguel] eu não consigo alugar uma casa que caibam as crianças”, explica.
As queixas de descaso e abandono do poder público são recorrentes entre os moradores do Jardim Pantanal. Para a maior parte deles, pouca coisa mudou e as perspectivas para os próximos meses de verão não são animadoras.
Em dezembro de 2009, os bairros da zona leste de SP enfrentaram enchentes e diversos problemas decorrentes das inundações
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“Se encher de novo, eu estou frita”, resume a catadora de material reciclável Nazidi Barbosa da Silva, 42. A casa dela, uma das duas que sobraram em uma área do Jardim Pantanal muito próxima do rio Tietê, está cheia de rachaduras e buracos provocados pela enchente do ano passado. Todas as casas vizinhas foram destruídas pela prefeitura, mas ela se recusa a sair dali. “Ninguém quer alugar uma casa para uma mulher com oito filhos pelos R$ 300. Então, não tem o que fazer."
Medo e temor
“Que estamos com medo, estamos. Abandonaram o ano inteiro e agora faz duas semanas que começaram a limpar. A gente está vendo a água parada no córrego”, ressalta o morador Rosalvo José dos Santos, 66, que mora há 16 anos no bairro e acompanha de perto os problemas da comunidade.
Ele não se arrepende de viver ali, no que ele chama de “cantinho que eu achei para criar os meus filhos”, mas reclama que “os políticos” só se lembram da região em época de eleição. “A gente aqui é uma família. Todos que saíram, voltaram arrependidos, porque aqui é muito bom de morar, as pessoas se respeitam. Mas a gente tem que ficar cobrando do subprefeito o esgoto, as luzes que estão apagadas, porque ninguém quer se responsabilizar por nada aqui, ninguém quer assinar papel."
O clima é realmente de família, mas quem caminha pelas ruas que durante dois meses foram sinônimo de calamidade pública escuta dos moradores repetida s histórias de trauma, perdas e desespero.
“Naquela enchente eu quase morri. Peguei leptospirose e fiquei muito mal”, conta Valdivio Geraldo dos Santos, 42, que mora com a mulher e os três filhos e vive de consertar os televisores dos vizinhos. “A gente não podia sair de casa, senão podiam roubar tudo. Então ficamos aqui com a água batendo no peito por dois meses. A prefeitura nunca deu bola."
Um ano depois, Santos tem a sensação de que uma nova tragédia pode acontecer a qualquer momento e não há nada que ele possa fazer para impedir que sua vida seja destruída novamente pela água lodosa. “Não tem como se preparar para a enchente, né? Faz como? A gente nem comprou nada nesse ano, porque acho que vai acontecer tudo de novo."
O morador Renato Viana Silva, 41, também conta que o pai caiu na água da enchente e pouco depois morreu, segundo ele, de leptospirose. “O hospital não deixava a gente divulgar ou doar os órgãos, escreviam na ficha que era parada cardíaca ou reumatismo. Mas na farmácia me explicaram que tinham receitado remédio para leptospirose, então a gente sabia”, relata (leia aqui reportagem do UOL Notícias sobre a dificuldade que os moradores encontraram para registrar casos de leptospirose).
Ele lembra que deixou o enterro do pai para acompanhar a filha, que também foi internada com suspeita de leptospirose. “Me lembro também de tirar meu tio de 79 anos de casa com a água no peito. Não dava para saber o que era rua e o que era rio”, diz.
Na época, ele aceitou a auxílio-aluguel da prefeitura e mudou-se para o Jardim Romano, o bairro vizinho. Mas agora que o contrato de aluguel venceu planeja voltar para o Pantanal, porque não encontra uma casa para cinco pessoas por um preço que possa pagar. “Aqui mesmo no Pantanal o aluguel é de R$ 600."
Ele não se arrepende de viver ali, no que ele chama de “cantinho que eu achei para criar os meus filhos”, mas reclama que “os políticos” só se lembram da região em época de eleição. “A gente aqui é uma família. Todos que saíram, voltaram arrependidos, porque aqui é muito bom de morar, as pessoas se respeitam. Mas a gente tem que ficar cobrando do subprefeito o esgoto, as luzes que estão apagadas, porque ninguém quer se responsabilizar por nada aqui, ninguém quer assinar papel."
O clima é realmente de família, mas quem caminha pelas ruas que durante dois meses foram sinônimo de calamidade pública escuta dos moradores repetida s histórias de trauma, perdas e desespero.
“Naquela enchente eu quase morri. Peguei leptospirose e fiquei muito mal”, conta Valdivio Geraldo dos Santos, 42, que mora com a mulher e os três filhos e vive de consertar os televisores dos vizinhos. “A gente não podia sair de casa, senão podiam roubar tudo. Então ficamos aqui com a água batendo no peito por dois meses. A prefeitura nunca deu bola."
Um ano depois, Santos tem a sensação de que uma nova tragédia pode acontecer a qualquer momento e não há nada que ele possa fazer para impedir que sua vida seja destruída novamente pela água lodosa. “Não tem como se preparar para a enchente, né? Faz como? A gente nem comprou nada nesse ano, porque acho que vai acontecer tudo de novo."
O morador Renato Viana Silva, 41, também conta que o pai caiu na água da enchente e pouco depois morreu, segundo ele, de leptospirose. “O hospital não deixava a gente divulgar ou doar os órgãos, escreviam na ficha que era parada cardíaca ou reumatismo. Mas na farmácia me explicaram que tinham receitado remédio para leptospirose, então a gente sabia”, relata (leia aqui reportagem do UOL Notícias sobre a dificuldade que os moradores encontraram para registrar casos de leptospirose).
Ele lembra que deixou o enterro do pai para acompanhar a filha, que também foi internada com suspeita de leptospirose. “Me lembro também de tirar meu tio de 79 anos de casa com a água no peito. Não dava para saber o que era rua e o que era rio”, diz.
Na época, ele aceitou a auxílio-aluguel da prefeitura e mudou-se para o Jardim Romano, o bairro vizinho. Mas agora que o contrato de aluguel venceu planeja voltar para o Pantanal, porque não encontra uma casa para cinco pessoas por um preço que possa pagar. “Aqui mesmo no Pantanal o aluguel é de R$ 600."
Dique e limpeza
Passado um ano dos alagamentos, a prefeitura tem concentrado seu trabalho no Jardim Romano, onde os córregos estão sendo limpos e foram construídos um piscinão de 13.000 m³ para receber a água da chuva e um dique de 1.600 metros de largura por 1,5 metro de altura com bombas para lançar a água drenada em direção ao Tietê.
Piscinão e dique foram construídos no Jardim Romano para evitar novos alagamentos
Segundo Laércio Casarotti, encarregado da empresa Era Técnica, que foi contratada para fazer o serviço de limpeza, nos últimos 21 dias, 2.200 toneladas de material já foram retiradas dos córregos e levadas para o Centro de Disposição de Resíduos da Pedreira, em Guarulhos (SP). Por dia, são cerca de seis caminhões carregados com 16 toneladas de material.
A prefeitura afirma que as ações de limpeza de bocas de lobo e varrição foram intensificadas nas duas regiões. Mas, no Jardim Pantanal, a limpeza do córrego começou há apenas duas semanas.
“O entulho é retirado de acordo com a finalização de cada etapa e seguindo os procedimentos normais de logística da obra. Para completa conclusão da obra, restam apenas serviços periféricos, como cercas e revestimentos de grama e pedra, que não impactam o funcionamento do sistema. Tais serviços complementares só não foram concluídos até o momento em função da negoci ação para remanejamento das famílias que se encontravam em áreas de risco, que se estendeu além do previsto”, explicou a Siurb (Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras).
As obras trouxeram um pouco de esperança para os moradores do Jardim Romano. Poucos temem que as águas voltem a invadir as casas e, por isso, quase não há táticas preparadas para conter o alagamento. Mesmo assim, existe uma mistura de sentimentos entre os moradores. “A gente confia, desconfiando, né?”, diz Manuel Ferreira da Silva. “Só Deus é que sabe se isso vai funcionar, mas estamos torcendo”, completa a mulher dele, Cícera Oliveira Silva.
Algumas casas depois, outra moradora explica: “Minha mãe entra em parafuso só de pensar na chuva. Ninguém sabe se essa obra vai dar certo, por isso dá muito medo. Mas não tem muito o que fazer”, diz Elida Laís Santos da Silva, 21.
“A verdade é que a gente já está acostumada a vi ver na enchente”, conclui a dona de casa Nora Nei, que mora de frente para o dique.
A prefeitura afirma que as ações de limpeza de bocas de lobo e varrição foram intensificadas nas duas regiões. Mas, no Jardim Pantanal, a limpeza do córrego começou há apenas duas semanas.
“O entulho é retirado de acordo com a finalização de cada etapa e seguindo os procedimentos normais de logística da obra. Para completa conclusão da obra, restam apenas serviços periféricos, como cercas e revestimentos de grama e pedra, que não impactam o funcionamento do sistema. Tais serviços complementares só não foram concluídos até o momento em função da negoci ação para remanejamento das famílias que se encontravam em áreas de risco, que se estendeu além do previsto”, explicou a Siurb (Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras).
As obras trouxeram um pouco de esperança para os moradores do Jardim Romano. Poucos temem que as águas voltem a invadir as casas e, por isso, quase não há táticas preparadas para conter o alagamento. Mesmo assim, existe uma mistura de sentimentos entre os moradores. “A gente confia, desconfiando, né?”, diz Manuel Ferreira da Silva. “Só Deus é que sabe se isso vai funcionar, mas estamos torcendo”, completa a mulher dele, Cícera Oliveira Silva.
Algumas casas depois, outra moradora explica: “Minha mãe entra em parafuso só de pensar na chuva. Ninguém sabe se essa obra vai dar certo, por isso dá muito medo. Mas não tem muito o que fazer”, diz Elida Laís Santos da Silva, 21.
“A verdade é que a gente já está acostumada a vi ver na enchente”, conclui a dona de casa Nora Nei, que mora de frente para o dique.
Auxílio-moradia e desapropriação
Pelos dados da Secretaria de Habitação, 10.191 famílias foram cadastradas no Jardim Pantanal e 3.753 famílias receberam auxílio-moradia ao longo do ano. Outras 340 famílias receberam apartamentos da CDHU em Itaquaquecetuba, município vizinho a São Paulo que faz divisa com o Jardim Pantanal. Para a construção do dique, 350 famílias foram retiradas do Jardim Romano e receberam verba para alugar ou comprar imóvel em outra localidade.
Em janeiro, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) assinou a desapropriação de oito áreas nos bairros de Penha, Itaquera, Guaianazes e Itaim Paulista, que devem ser usadas para a construção de 3.250 unidades habitacionais. Com a construção do Via Parque, mais 4.000 casas serão removidas, diz o governo.
Nesta segunda-feira (6), foram entregues 1.070 termos definitivos de apartamentos para moradores desabrigados. As unidades, no entanto, só ficarão prontas em 2011.
Em janeiro, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) assinou a desapropriação de oito áreas nos bairros de Penha, Itaquera, Guaianazes e Itaim Paulista, que devem ser usadas para a construção de 3.250 unidades habitacionais. Com a construção do Via Parque, mais 4.000 casas serão removidas, diz o governo.
Nesta segunda-feira (6), foram entregues 1.070 termos definitivos de apartamentos para moradores desabrigados. As unidades, no entanto, só ficarão prontas em 2011.
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