O Globo - Rio
SÃO PAULO – Toques de recolher com escolas e comércios fechados, suspensão de saraus e outras atividades culturais e vários assassinatos entre a noite e a madrugada. É essa a situação relatada por moradores da periferia de São Paulo desde o começo da última onda de violência na capital e região metropolitana. Somente na cidade de São Paulo há relatos de toques de recolher na região de Aricanduva, na Zona Leste; na da Brasilândia, Zona Norte; em Pirituba, na Zona Oeste; e na região do Campo Limpo, na Zona Sul. A violência também é extrema em outras cidades da Grande São Paulo e na Baixada Santista, litoral paulista, segundo movimentos sociais.
Tanto moradores da periferia paulistana quanto entidades sociais dizem que o clima de insegurança não parte apenas dos toques de recolher supostamente decretados pelo crime organizado. Falam da ação de grupos de extermínio e milícias comandadas principalmente por policiais militares que estariam disputando pontos do tráfico de drogas com a facção que age dentro e fora dos presídios paulistas.
- Eles (alguns PMs e policiais civis) estão formando e fortalecendo a milícia. Antes agiam, por exemplo, em desmanches, comércios e casas de prostituição nas periferias, além do controle de locais de venda de contrabando, na região central. Agora disputam pontos de tráfico com a facção. Temos as mortes de pelo menos dois integrantes da facção de 2010 para cá e o desaparecimento de droga e uma grande quantia em dinheiro deles. E, depois disso, o início de uma nova onda de violência. O dinheiro subtraído da facção estaria ajudando na formação de milícias – diz um jovem, morador da Zona Norte, que preferiu não ser identificado.
- Quando houve os ataques a restaurantes em bairros nobres da capital, por exemplo, a primeira coisa que policiais fizeram foi oferecer a donos dos estabelecimentos proteção, através de empresas de segurança deles mesmos. Aí acabaram os ataques. E é assim que a milícia age – complementa.
Milícias e grupos de extermínio também estariam por trás de mortes de alguns policiais militares na região metropolitana, segundo relatos de movimentos sociais e moradores da periferia. O motivo seria a disputa de poder. Somente este ano, ao menos 88 PMs foram assassinados no estado.
- Moro no Campo Limpo e lá a coisa anda bem complicada. Recentemente tivemos a morte de um amigo meu e do (Daniel) Gabu, rapper do Rosana Bronks, conjunto formado no Jardim Rosana, na mesma região.
Foi num domingo e inventaram uma história de que era acerto de contas com o dono do bar, que não saiu nem ferido. Desde então há um toque de recolher no Campo Limpo, todos os dias. Há um carro, um Santana, circulando na região e matando. Outro dia ouvi um relato de um suposto alvo de que de dentro desse veículo partiu uma conversa do tipo: ‘esse não, tá de mochila’ – diz um rapaz, que também pediu para não ser identificado.
A morte de Daniel Gabu e outras semelhantes na periferia paulistana foram citadas pelo rapper Mano Brown, dos Racionais MC’s, durante um encontro na última semana com o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ainda candidato naquela ocasião. “O pano de fundo é a guerra contra o crime organizado, mas eles (o poder público) estão matando por parecer ser”, disse Brown.
- A população e os trabalhadores empobrecidos estão no meio do fogo cruzado. Estudantes perdem o direito de ir e vir. Esses ataques que novamente acontecem são os crimes de maio de 2006 que não foram resolvidos. Você coroa a impunidade e generaliza a violência – diz Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio e mãe do gari Edson Rogério Silva dos Santos, morto a tiros em 15 de maio daquele ano, em Santos, litoral paulista.
O corpo de Edson, que teria sido morto por policiais, foi exumado em 13 de junho, seis anos após o assassinato. De acordo com o movimento, foi o primeiro corpo de vítimas daquele período submetido a esse procedimento “para melhor investigação”. Desde então, Santos vive uma situação de calamidade, uma onda de violência, segundo Débora.
Entre outras reivindicações, as Mães de Maio e outros coletivos e movimentos sociais defendem a federalização das investigações dos crimes de maio de 2006 e a criação de uma comissão especial nos moldes da Comissão da Verdade para apurar excessos, além do fim de ocorrências registradas nas delegacias como "resistência seguida de morte", o que, de acordo com o movimento, “dá carta branca para policiais continuarem matando”.
- Diante de casos de crimes de lesa-humanidade, principalmente contra a população pobre, negra e periférica, os governos não podem se omitir, tanto na esfera estadual quanto na federal. Se houvesse sido investigada e levada adiante a questão dos crimes de maio de 2006, desmontadas as estruturas que levaram àquela violência, certamente a gente teria evitado várias mortes nesse período. Os assassinatos seguem de tempos em tempos e agora temos essa situação de calamidade – diz Danilo Dara, integrante do Mães de Maio e da Rede 2 de Outubro - pelo fim dos massacres.
O movimento Mães de Maio, a Rede 2 de Outubro e outras organizações sociais preparam manifestações para este mês de novembro para tentar barrar a escalada da violência no estado de São Paulo. Os atos começarão nesta sexta-feira, Dia de Finados, e devem ser intensificados no dia 20, feriado da Consciência Negra, segundo reunião dos coletivos realizada na noite desta terça-feira na capital.